quinta-feira, janeiro 31, 2008

Nas sombras das grades ....



Não sabia o que iria encontrar
atrás daqueles portões
Confesso que um medo
e uma resistência, oras repulsa
Invadiu-me imediatamente
Eram exatamente 15h42
quando o carro estacionou
fui anunciada,
meus pertences
ficaram do lado de fora
me senti nua,
apenas o gravador e a máquina fotográfica
me acompanhavam
e aquela sensação de curiosidade
com a hipocrisia que trazia dentro de mim
Meus passos foram largos até o portão se abrir
E sentia o acelerar do meus batimentos
Elas estavam ali,
Algumas apenas,
Espalhadas por entre as colunas da entrada
Quão surpresa fiquei ao receber
O primeiro “Boa tarde” que naturalmente
Sai acompanhado de um belo sorriso.
Pensei: Minha nossa isso tudo é tão diferente
Do que minha imaginação limitada podia almejar
Fui conduzida ao final daquele corredor
Flores na entrada?
Quadros?
No bebedouro toalhinhas de crochê,
Nas janelas amostras de artesanatos
Não estava controlando meus olhares
Era tanta coisa para identificar,
Tantas imagens para registrar
Experimentei uma euforia
E até chegar a última porta,
Foram-me distribuídos gratuitamente
Muitos “boa tarde” e sorrisos.
A primeira impressão foi absolutamente
O oposto do que esperava encontrar.
E assim seguimos até o pátio principal
um gelo cortou minha espinha
Todas elas, aquela mulheres ali juntas,
Reunidas, com olhares misteriosos

e rostos ansiosos
Respirei fundo
Achei que a voz fosse me trair,
Mas não ali,
Não naquela hora
Minha apresentação foi silenciosa
Apenas o som da minha voz ecoava
Naquelas paredes frias
Em um momento hesitei,
Mas prossegui com meu discurso
Tão cuidadosamente ensaiado
Impressionada com tamanha atenção e cordialidade
Encerrei minha proposta
Inquieta aguardava respostas
Eis que a surpresa novamente se fez presente
Um levantar de corpos femininos,
e o som daquelas palmas
Aplausos?
Era isso mesmo?
Pensei: o que eu faço agora?
Estava eu pensando naquelas mulheres
Eram quase cem ,

nas quais trinta foram minhas companheiras

de longa jornada

trinta vidas diferentes

trinta histórias distintas
E todas com o mesmo destino
As grades!!!!!
Aquelas!
Aquelas que despretensiosamente
Deixaram a porta aberta
De suas vidas para que eu pudesse entrar
Abriram os corações
Sem nada pedir em troca
Elas se vestiram com
Uma coragem inigualável
Onde o compreensão é a única aliada
Que elas esperavam
Elas estavam imensamente
despojadas de qualquer resistência,
e uma a uma se puseram a assinar o papel de autorização
foi entregue momentos antes na mão da Diretora
Dali em diante meus dias definitivamente
Nunca mais seriam os mesmo
Experimente e vivencie emoções
Jamais imaginadas por mim
Fui abruptamente lançada fora da ‘bolha’
na qual eu vivi todos esses anos
E a realidade estava ali,
Cruel e sem disfarces, como só ela sabe ser.
No seio do cárcere
Elas passaram por tudo
Humilhações, desrespeitos,
Preconceitos, repudia, pesares.
Era o preço a se pagar
E que nem elas imaginavam que seria tão alto.
O ano ia se passando,
E a cada nova entrevista
Eu descobria novos sentimentos
Essas mulheres corrompidas pelo crime
Encarceradas a fim de cumprirem suas penas
Apesar de tudo, eram mulheres
Como eu, como você, como nossas mães e irmãs
Porque não?
Porque erraram?
E quem não comete erros?
Elas já estavam pagando cumprindo e saldando suas dívidas

com a sociedade,
Não caberia a mim condená-las ainda mais.
Uma afeição foi se construindo
Não uma apologia ao “certo ou errado”
Ao “ético ou ao moral”
Apenas a constatação de que os sentimentos
Estavam todos ali, oprimidos e extirpados por todas as dores e aflições
Que esses caminhos descarregam sobre os que nele arriscam.
Quantas histórias, quantos soluços expostos depois de tanto tempo,
Quantas lágrimas rolaram em todos aqueles rostos, jovens e velhos,
Simpáticos e agoniados pelo tempo
O incrível era perceber que a oportunidade maior
Não era delas se desabafarem e soltarem seus gritos de lastimas,
Mas a minha de aprender tanto com elas
de conhecer vidas tão enriquecidas de detalhes
Elas foram se expondo a cada encontro
Alternando culpa a revolta
Solidão e esperança
Ninguém deve apontar o dedo,
Nem olhar sobre os ombros
O julgamento não é nossa incumbência
Nem tão pouco o veredicto.
Alojamentos pequenos,
Acomodações modestas
E a feminilidade tão fortemente presente
Entre os objetos e corredores

que as separavam do mundo exterior
A cada início de entrevista a expectativa
Me dominava,
A cada término,
A emoção e a razão se misturavam,
É só olhar com os olhos da alma
Para enxergá-las como realmente são
Mulheres,
Cheias de sonhos, dúvidas, receios e tragédias
As minhas lágrimas aprendi a sufocar como elas
indiretamente me ensinaram
Me debatia a cada saida e retorno,

Os portões de saída,

agora me pareciam mais significantes,
Eu tinha tudo o que elas desejavam
A liberdade!
Mas me sentia tão pequena perto
Da profundidade de tudo que ali vi e presenciei
Cadeia ou Cemitério,
Essas são as palavras que de todas as bocas eu pude ouvir
Recomeçar,
Essa era o propósito de todas!
Estas mulheres,
chocam,
emocionam
perturbam
e surpreendem,
e me ensinaram nas sombras das grades,

o que nem fazem idéia, o incalculável

a enxergar o mundo e tudo o que envolve

de um jeito totalmente diferente,
no mundo real não há espaço para hipocrisia e
o maior bem que se possui é o da própria liberdade!
Ah, essas mulheres!!!


* Nunca mais serei a mesma!



*Minha experiência no deselvonvimento do meu livro-reportagem

com as internas do CRFA *





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