quinta-feira, março 27, 2008

Olhos tristes




Aquela senhora tinha os olhos tão tristes e profundos que seria impossível não ser tocado por eles, não bastasse isso, aquele olhar distante que implorava ajuda.
Seria tão mais simples, se eu virasse as costas e seguisse meu caminho,
Tão mais fácil banalizar aquela situação que se tornou corriqueira e incrédula de soluções.
Mas eu, ai, eu não consegui fingir que não estava vendo e sentindo isso.
Era apenas uma mulher maltratada pela vida, cansada de sofrer, abandonado á sorte.
Sentei-me ao seu lado, e lhe dei o que podia no momento, minha companhia, ela me sorriu, provavelmente espantada por essa atitude, mas receptiva.
O sentimento de compaixão se apoderou da minha pessoa.
Sempre tive um carinho especial por crianças e idosos, dois estágios de idade que merecem total carinho e respeito.
Ela me perguntou se eu tinha avós, eu sorri e disse que ainda tinha.
E começou a contar passagens de sua vida.
Apenas atenção, era tudo que precisava, alguns sorrisos, e palavras que os façam se sentir vivos.
Perguntei-me, porque esse desprezo, a essas pessoas que nos deram a vida nos conduziram pelo caminho, algumas vezes acertaram outras não, mas passaram suas experiências e ensinamentos, o que recebem? Esse desprezo e frieza.
Rostos cansados, enrugados pelo tempo, e um coração nobre cheio de sabedoria, mãos que ainda se estendem sorrisos que ainda iluminam.
Uma alegria que se observa ao fundo, camuflada pela dor, mas que se abre a mais remota proximidade.
Os anos passaram e não os poupam da degradação, não a física, mas a moral.
Há sempre algo bom a aprender com eles, sempre encantador tê-los por perto.
Suas histórias e memórias, algumas vezes falhas pela idade avançada, mas não menos interessantes e ricas em detalhes.
Sim, ela tinha olhos tristes, mas muita afeição para distribuir.
Não contive as lágrimas, quando me disse que era um ser humano que trabalhou a vida toda e só merecia um pouco de respeito, triste por ser motivo de vergonha para os filhos.
Filhos esses que deveriam ter vergonha de si mesmo.
Oras onde estamos, precisa pedir respeito?
Por favor, eles merecem respeito e amparo.
Lembrei dos meus avós, das coisas que fizemos juntos e doeu ainda mais.
Então é dessa forma que se procede?
Somos jovens, belos e produtivos, o tempo leva nossa juventude e somos descartados como sapatos velhos por muitos, porque não servem para mais nada?
Revoltada com tanta falta de sensibilidade e indulgência, só espero que esses mesmos nunca envelheçam para não passarem por esse descaso.
Aprendi tanto com aquele senhorinha terna e risonha de olhos tristes e cansados,
com seus cabelos branquinhos, sua voz rouca e pausada, que agradeceu-me pelos minutos de atenção.
Hoje vim agradecer pelo momento único que pude compartilhar com ela, e deixar registrada minha admiração pelo desprendimento e resignação daquela mulher e de todos idosos.
Guerreira e tão fragilmente hostilizada.
Prefiro pensar que existam anjos com um pouco de humanidade que os ampare
de alguma forma, mesmo tendo a consciência da atual situação que muitos se encontram.
Situações que embargam minha voz e açoitam meu coração,
Deixam-me sem palavras para finalizar esse desabafo.

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